>>19979O Trágico Mundo da Anã: o Fio.
Meus avós pertencem à geração pós-guerra (1945), ambos de idades próximas. Originários de famílias humildes que trabalhavam no campo, vivenciaram o êxodo rural brasileiro nos anos 60. Mudaram-se do interior para a capital, onde construíram a casa onde ela vive até hoje, próxima ao Centro. Aliás, a escolha da residência foi feita pela minha avó, que não queria morar em um bairro periférico naquela época, pensando no futuro dos filhos.
Eram independentes, cada um com sua vida particular e renda própria. Minha avó continua viva, mais saudável do que muitos colegas de 20 anos, e viveu mais que meu avô. Nem meu avô nem seus amigos eram alcoólatras, com exceção de um tio-avô que foi afetado pelo alcoolismo. Nunca os vi embriagados, e esse tio-avô era repreendido por frequentar excessivamente bares, algo que não era bem visto por seus colegas. Minha família nunca viu o alcoolismo como algo bom, em nenhuma geração. Minha avó até mesmo tem pavor de bares porque meu avô teve problemas enormes com brigas de bêbados em seu bar.
Ela nunca precisou trabalhar como doméstica, conseguindo pagar por serviços de diaristas bem remuneradas após se estabelecer na capital. Ela mantém amizade com essas diaristas até hoje, mesmo não sendo mais suas empregadas há décadas. Minha avó nunca foi uma mulher vaidosa, por conta da religião, mas é a mulher mais elegante que conheço. Sempre manteve cabelo e unhas arrumados, indo regularmente ao salão, e sempre usou roupas bonitas, até porque era uma costureira excepcional, de bom gosto indiscutível.
A principal fonte de renda da casa era minha avó, que não tinha formação superior e era funcionária pública. É claro que passaram por dificuldades financeiras, principalmente durante o período de transição até se estabilizarem na cidade e durante as diversas crises econômicas que ocorreram até os anos 2000. Nada disso tem a ver com machismo, mas sim com incompetência política. Até hoje, minha avó mantém hábitos como a 'compra do mês' por conta das crises econômicas dos anos 80 e 90.
Eles e seus amigos nunca contaram histórias sobre serem condenados a serem pais e casados. Meu avô trabalhou como agricultor, militar, empreendedor e funcionário público, sem formação superior. Minha avó complementava a renda da família com serviços de costura, especialmente porque tiveram quatro filhos, mas ela sempre conta boas histórias sobre esse trabalho manual e ainda o mantém como hobby. Ele continuou trabalhando mesmo após se aposentar, como terceirizado, e ajudava a filha em seu negócio no tempo livre, por livre e espontânea vontade, sem necessidade financeira. Durante duas décadas de conversas com minha avó, nunca ouvi falar sobre mulheres serem mal vistas no mercado de trabalho naquela época, tanto que ela ganhava mais do que meu avô com seus serviços e se aposentou décadas mais cedo.